Na sua conferência de abertura, o escritor ucraniano Andrey Kurkov (que vive entre Kiev e Londres) falou de uma língua extinta no longínquo Daguestão. Dela não restam vestígios, uma vez que desapareceram as três últimas pessoas que ele e a mulher tinham ainda podido conhecer. Quantas línguas vêem a sua vida ameaçada, à semelhança de escritores e jornalistas? Não seria de criar uma linha de alerta para as línguas em risco, bem como uma rede de acção rápida para que os membros do PEN possam, de todo o mundo, apelar aos governos para que não permitam (ou não fomentem) situações de precariedade? Neste contexto, a presidente do Comité, Simona Ṥkrabec, sublinhou a conveniência de intensificar uma rede permanente de comunicação entre os Centros PEN que se ocupam de questões ligadas à(s) língua(s).

   Durante dois dias, debateram-se as problemáticas 1. Da palavra escrita e oralidade e 2. Da literatura e comercialização. Na primeira mesa-redonda, Marjan Strojan (PEN esloveno) falou da literatura Sinti, de comunidades ciganas que habitam o espaço do país desde o século XI e gozam actualmente de um estatuto de protecção, desde a tradução de textos a emissões de rádio. David Pearson (SIL – Summer Institut of Languages) expôs a diferença entre várias formas de sustentabilidade na língua, da mais ampla à mais restrita e tendo a ver com a literacia, a oralidade, a identidade e a história. Mais ameaçados nos continentes extra-europeus, os dois últimos aspectos indicam a fragilidade das línguas puramente orais, ou que não podem – ou simplesmente deixam de – assentar na estabilidade da escrita. Petra Elser (PEN basco) mostrou exemplos da vitalidade da poesia basca, enquanto bertso cantado em sessões de jantar e convívio e assim dando um fôlego renovado a uma língua cujo primeiro testemunho escrito data do século XVI.

Na segunda mesa-redonda, Bei Ling Hang (PEN Chinês Independente), que vive em Taiwan e publica no estrangeiro, recordou a repressão exercida pelo governo da RPC sobre minorias como a tibetana e a uyghur, bem como as respectivas línguas. José Muratti (PEN de Porto Rico) lamentou a comercialização de sucessos editoriais fáceis, antes de ser exortado a relatar sobre o que o seu Centro tinha feito em prol da escrita e da literatura, o que se revelou um notável trabalho de colaboração com livrarias, escolas e instituições para promover a escrita entre os jovens e a divulgação do livro.  Este tem de continuar a fazer ruído, para que se possa promover a leitura.

Atravessando a sombra das ameaças globalizantes e dos best-sellers, fica-se com a impressão de uma generalizada prática de saudável coexistência entre o livro em papel e o formato digital. O problema não passa por aí. Tal situação foi confirmada no diálogo, travado durante a recepção no majestoso Saló del Consell de Cent del Ayuntamiento de Barcelona, entre o escritor irlandês John Banville e o seu entrevistador. Sinal dos tempos? Esperava-se uma conferência, pouco ficou de uma conversa. Depois da sessão e em torno de tapas e cervejas, discorreu-se sobre os factores que permitem às línguas sobreviver, dentro dos seus sistemas e famílias, cultivadas por uma prática atenta e correctora de desvios.

No segundo dia, as delegadas dos Centros suíço romano, norueguês, português e sul-africano sublinharam aspectos nevrálgicos das respectivas línguas, com especial relevo para os danos causados pelo “Acordo Ortográfico de 1990” (tendo sido distribuída uma versão inglesa da resolução aprovada na Assembleia Geral de 25 de Março) e para as línguas suómi (falada na Finlândia, mas também na Noruega e na Rússia) ou as línguas autóctones da África do Sul, em parte preteridas pelas comunidades indígenas devido ao predomínio do inglês.

O papel dos tradutores literários e a necessidade de uma dignificação de uma tarefa de recriação que amplia o alcance do texto original pautou a discussão em torno da proposta de uma Declaração a aprovar definitivamente no próximo mês de Outubro, na Assembleia geral de Québec. Ficam no ar questões em torno da “profundidade da margem estreita” (V. texto abaixo) de que os tradutores e as tradutoras dispõem, num papel que exige empenho (discutiu-se se seria paixão) e rigor, mas que constitui em todo o caso uma forma de co-autoria. Não se pode prescindir dos tradutores, pois como escreve o poeta catalão Joan Vinyoli: “”Sempre hi há algu qui nos es possible/que presindim./Potser grácies a aixó vivim encara”.

O dia 23 de Abril é o dia de St. Jordi, padroeiro da cidade e também o Dia Mundial do Livro. Pelas Ramblas livres de carros, os livros emparelhavam com rosas num convite à saída ao sol, à festa da letra, à música da palavra, original e traduzida.

Fotos: Momento do trabalho na Declaração de Quebec sobre tradutores e tradução; Teresa Salema (PEN Clube Português), Louis Jolicoeur (PEN Canadá), Adre Marshall (PEN da África do Sul); festa de St. Jordi – do livro e das rosas – em alegre ruído nas Ramblas.

23.4.2015 TS

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