Desde a sua fundação em 1921, o PEN Internacional tem especializado os seus olhares atentos sobre os escritores ameaçados e alargado o seu leque de preocupações até aos dias de hoje, A liberdade de expressão parece ter-se tornado mais frágil à medida em que o seu percurso se torna imparável por todos os continentes. Se a existência de línguas em perigo no mundo pode ser uma ameaça contra a liberdade de expressão, disse o presidente do PEN Internacional, John Ralston Saul, na sessão pública no auditório do belo edifício Harpa, ferro e vidro junto às águas do porto, então o exemplo islandês prova precisamente o contrário: uma língua falada por apenas trezentas mil pessoas, associada a um forte impulso criador, pode produzir uma literatura maravilhosa. Que se lê numa língua quase inalterada desde os tempos das sagas medievais.

Delegados de setenta centros reencontraram-se na pequena cidade nórdica para partilharem as suas preocupações com escritores perseguidos (operando cerca de um terço deles na esfera digital), línguas ameaçadas, mulheres discriminadas e focos de conflito. O tema do Congresso foi, como se pode ver na foto acima, “Fronteiras Digitais – Direitos Linguísticos e Liberdade de Expressão”.

O trabalho dos Comités foi intenso, embora fosse de lamentar a simultaneidade das agendas para as reuniões. Do Comité dos Escritores para a Paz saiu a versão final de um Manifesto que aponta para a natureza diversa dos focos de conflito (política, económico-financeira, ecológica e cultural) e para a necessidade de dialogar, sempre e sobretudo em situações difíceis. Este manifesto de dez pontos, que ainda está a ser ultimado em certos detalhes de natureza jurídica, pretende ser para questões relacionadas com o direito à Paz (que deveria ser um direito defendido pelas Nações Unidas) um equivalente ao que o manifesto de Girona tem sido, desde a sua criação em 2011, para os direitos linguísticos. Este Comité trabalha ainda na criação de uma rede euro-mediterrânica que congregue escritores de diferentes tendências e países, ligados ou não a Centros PEN, e na sequência dos encontros de Arles (2008), Haifa (2012) e Lisboa (2013). A conflitualidade requer uma visibilidade e audibilidade festivas da palavra, como tiveram lugar em Lisboa no passado mês de Junho, recordado calorosamente por muitos dos delegados presentes.

O Comité de Tradução e Direitos Linguísticos aprovou uma resolução sobre a Língua Portuguesa rejeitando a imposição de um “Acordo Ortográfico” não aceite pela maioria da população portuguesa, que assim se vê isolada dos países lusófonos que adiaram ou não ratificaram o referido “Acordo”, que mutila ainda as raízes etimológicas que prendem o português europeu à sua família linguística natural. A par de outras quinze resoluções, esta não só foi aprovada por unanimidade na Assembleia Geral como também foi objecto de uma enorme estranheza por parte de colegas anglófonos, francófonos e hispanófonos. Uma especial declaração de solidariedade foi expressa pelos colegas do Centro galego.

Também foi objecto de particular atenção uma resolução interna sobre a espionagem electrónica, apresentada pelos Centros americano e inglês. Nela se reitera os princípios relacionados com a liberdade digital (tendo sido relembrada a declaração do PEN a esse respeito) e se faz um apelo aos governos para respeitar a privacidade individual como pressuposto para o exercício do direito á liberdade de expressão.

Foram eleitos para o Comité Executivo internacional Anders Heger (Noruega) e Mohamed Sheriff (Serra Leoa). Tone Persak (PEN esloveno) foi eleito novo Presidente do Comité de Escritores para a Paz. Dois novos Centros foram acolhidos no seio da família internacional do PEN: Delhi e Myanmar. Os Centros dos Camarões e de Israel foram declarados “dormentes” (o que poderá permitir a sua renovação) e foi fechado o Centro grego, devido a anos de inactividade.

Enquanto a família internacional do PEN não volta a reunir em 2014, desta vez em Bishkek (Quirguisistão), a organização do Congresso ofereceu aos participantes uma excursão pelo “Círculo dourado” dos parques de Thingvellir, onde ocorrias as lendárias assembleias populares relembradas no romance do Nobel islandês Halldór Laxness “O sino da Islândia” (em português numa excelente tradução e edição esmerada da editora Cavalo de Ferro, 2012). Sem aquelas paisagens selvagens e doces, como compreender a liberdade dos fora-da-lei que retomam uma irremediável dimensão humana entre os cavalos negros? Ou, mais próximos do nosso tempo, as linhas de Jon Kalman Stefánsson entre o musgo e o mar, “Paraíso e Inferno” (de novo numa edição da Cavalo de Ferro, 2013)?

 

As resoluções aprovadas, bem como os textos do Manifesto de Girona e da Declaração sobre a Liberdade Digital, podem ser lidas no site do PEN Internacional, http://www.pen-international.org/ As traduções da Resolução sobre a Língua Portuguesa e do Manifesto de Bled encontram-se neste mesmo site do PEN.

 

   Fotos: Mesa da Assembleia Geral (em cima), Parque Natural de Thingvellir (em baixo).