No seu exílio nova-iorquino, o poeta chinês Huang Chiang recorda a “terra abundante e estrondosa” debaixo dos pés de alguém que vive a liberdade antes de a ver aprisionada. Todas as manhãs em que decorreram os trabalhos da Assembleia Geral do Congresso, era lembrado um escritor ausente: na sua cadeira vazia estava apenas o seu retrato, assinado por mais de 100 delegados que representavam 58 Centros PEN, vindos de todas as partes do mundo. Tema do Congresso: “Minha língua, minha história, minha liberdade”.

No meio das estepes da Ásia Central, a cidade de Bishkek enquadra em abundante vegetação a herança arquitectónica soviética e os letreiros cirílicos sobrepõem-se aos escritos na língua nativa da Quirguízia e os anúncios das marcas ocidentais. O bilinguismo, trilinguismo nem sempre funcionam fora das paredes do Congresso. A impressão de que uma busca de medida pode tornar-se obsessiva ou prioritária em tempos e lugares de desmesura repetiu-se ao longo dos dias. Mas que podiam significar os tempos mortos e as longas distâncias entre os hotéis e os lugares das reuniões de comités, assembleias, sessões literárias e espectáculos musicais senão uma oportunidade de reencontrar a família do PEN, fazer fintas aos caminhos das crises com os percursos e projectos individuais e colectivos dos vários Centros?

A Quirguízia sempre foi uma velha cultura antes de se tornar uma jovem república após a desintegração da União Soviética. No primeiro dia, vimos num cinema local o belíssimo filme “Kurmanjan Datka, a rainha das montanhas”, de Sadyk Sher-Niyaz, filme de 2014 que cavalga pela história de meio século de desavença tribal e dominação russa, buscando a identidade de um povo entre nomadismo e sedentarismo. Compreende-se a idealização quando se respira os espaços que parecem não ter limites e depois podem ver-se enclausurados. Como Azimion Askarov, jornalista e defensor dos direitos humanos, acusado de cumplicidade pelo assassínio de um polícia sem provas convincentes e condenado a prisão perpétua: o seu retrato desenhado a traços finos ocupou uma das “cadeiras vazias”.

As reuniões dos Comités (Escritores na Prisão, Escritores para a Paz, Tradução e Direitos Linguísticos, Mulheres Escritoras), ocorridas em simultâneo, permitem uma abertura à discussão plural que não se torna possível na Assembleia Geral, com uma agenda densa e com 23 resoluções por aprovar. Síria, Etiópia, Eritreia, Cuba, China, Vietname, Irão, Tibete, Honduras, Coreia do Norte – pontos nevrálgicos de violações ao direito de viver e escrever em liberdade; mesmo nos lugares sem o peso da guerra, a difamação e perseguição de escritores e jornalistas mostra a incapacidade de sustentação do livre debate, de uma justiça eficaz contra a corrupção denunciada.

Foram eleitas para os dois lugares à disposição na Direcção internacional (num total de 7) Margie Orford (Centro PEN da África do Sul) e Teresa S. Cadete (PEN Clube Português), bem como Simona Škrabec (Centro PEN da Catalunha) para a Presidência do Comité de Tradução e Direitos Línguísticos.

Ainda assim abriu-se o espaço de uma hora para debater as restrições à liberdade de expressão da diferença LGBT em países como a Rússia. E o conflito entre a Rússia e a Ucrânia fez parte de mesas-redondas e foi objecto de duas resoluções apelando ao diálogo. Que outra coisa se pode fazer senão apelar, insistir em profusão e repetição?

Duas das resoluções foram apresentadas pelo Comité de Tradução e Direitos Linguísticos: sobre as restrições ao uso da língua catalão em comunidades autónomas como Valência e as Baleares e sobre a língua portuguesa, ameaçada pela imposição do “Acordo ortográfico”. Esta apelava às autoridades competentes para proceder à reposição do português europeu, comprovada sobejamente a insustentabilidade de tal pretensa reforma. Ambas as resoluções foram aprovadas por unanimidade.

Uma resolução sobre as alterações climáticas, na preocupação com a herança face às gerações futuras, foi também aprovada por unanimidade, tendo em vista a Cimeira de Paris em 2015. A poeta Quirguízia Dalmira Tilepbergen, presidente do PEN da Ásia Central, evoca a ventura de se ter nascido com um fim. Outra possível leitura de uma busca de medida neste mundo das estepes, nesta república que cresce para o futuro. Como os “céus sem limites de que falava Huang Chiang.

 

Fotos: Anúncio do 80º Congresso na Biblioteca Nacional de Bishkek; nova Direcção do PEN Internacional, no retiro de trabalho pós-congresso em Kalmak Ashu

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