Textos dos júris dos prémios PEN para as obras de Poesia, Ensaio, Narrativa e Primeira Obra (ano de 2012)

Poesia

É com alegria que o júri do Prémio de Poesia do Pen Clube Português, constituído por Teresa Martins Marques, Manuel Gusmão e Maria João Cantinho, decidiu atribuir o Prémio de Poesia, em ex aequo e por unanimidade, a duas obras: a Hélia Correia, pela sua obra A Terceira Miséria, editada pela Relógio d’Água e ao poeta Manuel de Freitas, pela obra Cólofon, publicada pela editora Fahrenheit 451. O júri decidiu que estas obras reuniam as condições essenciais para a atribuição do prémio, pela sua excelência, no que diz respeito, tanto ao trabalho de reinvenção da linguagem e originalidade, como à sua pertinência, do ponto de vista da actual situação.

No caso da obra de Hélia Correia, essa pertinência esboça-se desde logo no seu primeiro poema, em que a autora retoma a pergunta do poeta Hölderlin: “Para quê, perguntou ele, para que servem/os poetas em tempo de indigência?” (p.7). Mais do que um lamento, esta formulação converte-se numa convocação para uma tarefa, porventura metafísica, mas essencialmente ética. Se, por um lado, se faz o questionamento de uma origem (a da Grécia como nascimento da civilização ocidental), por outro, reclama-se um regresso a uma dignidade perdida, para a qual é preciso resgatar as ágoras.

Se a primeira miséria diz respeito à deserção dos deuses, a segunda alude à “miséria da interpretação/que tudo trai” (p.26). O tema da ruína e da alegoria é um fio de água que percorre todo o livro, com essa beleza avassaladora que só aqueles que se destinam à morte e ao sacrifício possuem, mas a metáfora atinge o seu clímax no poema 23 (p. 29): “A terceira miséria é esta, a de hoje./A de quem já não ouve nem pergunta.”. A ágora, o nobre espaço da pólis, perdeu todo o seu sentido, deixou de ser um referencial da ética democrática, mas essa perda assenta em algo mais grave, ainda, e que é a miséria “de quem não recorda”, reflectindo metaforicamente a situação política actual. Aqui, não é somente a perda da identidade e da soberania que nos aparecem destroçadas, mas é sobretudo a ideia de Europa, esse sonho de um humanismo arquetípico, matriz da sociedade ocidental, em que a Grécia aparece como a « mãe assassinada ».

Perda de identidade, erosão da resistência a uma informidade que, cada vez mais, ameaça a singularidade de um povo, fazendo-o soçobrar num mundo espectral e assombrado pela catástrofe. A imagem não poderia ser mais adequada a esta “terceira miséria” em que vivemos hoje, não apenas a dos gregos, mas a da “gente do sul” (p. 38). A condição do despojado ou da vítima sacrificial, aquela que reencontramos também na condição de Homo Sacer, emerge no poema 32 (p. 38): “Oh, os amigos, os abandonados,/Esses, os destinados ao extermínio,/Esses os belos despojados, nus”. Se a escrita de Hélia Correia nos aparece nesta obra contaminada por uma melancolia intensa, há, porém, um apelo, uma ténue esperança que a anima como um sopro oculto, pois, se a “terceira miséria” é a do silêncio, “em que já ninguém ouve nem pergunta” ou a do esquecimento, a palavra, no entanto, reanima a ideia da polis, reivindicando um “início” ou uma nova era, nascente do « poder da palavra, a fervilhante»(p. 39),  capaz de reacender ainda a chama antiga da Grécia, de resgatar a ideia de pólis e  de inaugurar a hospitalidade da linguagem.

 

(i)                 Este livro de Manuel de Freitas chama-se Cólofon e é o livro inaugural da editora Fahrenheit 451.

Radicalizando um gesto do seu autor, todos os poemas são dedicados a alguém. E Mesmo que não conheçamos pessoalmente todas essas gentes, podemos verificar que em grande maioria são eles próprios poetas, poetas-tipógrafos, colaboradores da revista Telhados de Vidro, ou editados pela  Averno: Inês Dias, Inês Mateus, Diogo Vaz Pinto, David Teles Pereira, Jorge Roque, Luís Miguel Queirós, Sandra Filipe, Rui Miguel Ribeiro, A. M. Pires Cabral, Marília e Vítor Nogueira, António Manuel Couto Viana, Luís Henriques e Luis Manuel Gaspar, José Miguel Silva, Luís Pacheco e José Miguel Silva, João César Monteiro, Diogo Vaz Pinto, Rui Caeiro, Inês  Dias e Vítor Nogueira , Diogo Vaz Pinto, Inês Dias e Rui Miguel Ribeiro, Adília Lopes , Mário Alberto, Inês Dias, Mariana  Pinto dos Santos, José Carlos de Almeida Goncalves (in memoriam), in  memoriam Vízio Lorena e Emanuel Jorge Botelho, in memoriam A.F., Inês Dias e Marta Chaves, António Barahona, Rui Pires Cabral e Inês Dias. São assim homenageados por dedicatória, por epígrafe que acompanha o título, pelo  título, ou por simples menção em verso ou prosa.

E a listagem continua ainda e, crescendo, não se contém nos limites do que podemos imaginar como uma geração. Por um lado reúnem-se aqui, às vezes, poetas que começam numa outra revista, mais recente – Criatura, – como Diogo Vaz Pinto e David Teles Pereira. E um terceiro (não)-grupo impossível família vem ligar-se a estes dois. António Barahona, Manuel de Castro, Apolinário Ramos, António Manuel Couto Viana, Luís Pacheco e João césar Monteiro, Abel de Freitas, Adília Lopes, Olímpio, Mário Alberto, Rosa Maria Martelo, António José Forte, Ernesto Sampaio. É com estes poetas, sobretudo os mais velhos e os não-poetas (exs: Pacheco e João César e Mário Alberto) que mais nitidamente se excedem os contornos cronológicos que definem (ou definiriam) a geração de Manuel de Freitas. Estes múltiplos envios que a múltipla máquina de dedicar fabrica formam uma comunidade antropológica e de linguagem.

(ii)               O livro chama-se Cólofon e marca assim importância dos gestos que esgaravatam os tipos e os deitam fazendo jogos com estas coisas da tipografia, da edição e da poesia, ou da edição e da tipografia da poesia. O Cólofon s.m.  O novo dicionário MORAIS distribui o significado da palavra por duas ordens de referencia. Dístico final em manuscritos medievais, relativo ao autor ou escriba, ao lugar onde se escreveu a obra e à data dela. Dizeres com que os tipógrafos indicam, no fim das obras, a data e o lugar da escrita. Se a poesia foi durante anos ou décadas uma arte da voz ou do canto, este autor, Manuel de Freitas é por hoje e aqui (agora) o representante dessa comunidade de apaixonados ou amigos da Letra impressa e da língua Morta (que é? Ou será?) a poesia? E assim é porquê? Numa época que supostamente não estava para isso, eis que estes poetas dedicam à poesia este antigo gesto de formar comunidades. De novo atirados para tempos de indigência, estes poetas que perderam aura e a auréola já não podem aceitar nenhuma missão aurática ou utópica para a poesia. O que sabe o poeta neste momento da sua longa marcha ou da sua viagem interminável. Um poema sabe aquilo que nós sabemos; ou mais, o poema é como nós; não vai a lado nenhum. É sintomaticamente num poema dedicado a Rosa Maria Martelo, uma das autoras que mais tem contribuído para uma compreensão justa da nova e novíssima poesia portuguesa que o poema mais se aproxima de uma figuração de poética “a poesia, tal como a entendo, é um encontro firme e inaugural – connosco, mas também com o mundo. Pouco importa, no fundo, se esse encontro único e irrepetível assenta num grito, num murmúrio ou numa exclamação aparentemente despropositada. Serena ou agressiva, na forma como chega até nós, a poesia só me interessa se causa desconforto, se consegue interromper ou questionar o processo de morte e apagamento a que nos fomos acomodando… Talvez a poesia, em rigor, não sirva para nada; mas já me salvou muitas vezes a vida. Isto que vou perder.”

Ensaio

Atribuir um Prémio de Ensaio é uma tarefa complexa. Entre a representatividade e o experimentalismo, entre a proposta de uma hipótese inovadora, que saia, porém, do húmus da realidade em que se vive (como aliás toda a genuína obra de arte), e o edifício conceptual que nos reconduz às nossas intuições e interrogações, a vastidão de opções pode tornar-se labiríntica.

Atribuir um prémio PEN de ensaio pode tornar-se, paradoxalmente, numa tarefa facilitada pela amplitude da abrangência do raio de acção específico do PEN: literatura e cidadania. Aqui, o trabalho de circunscrever as possibilidades de escolha aproxima-se de um equilíbrio que contempla esses dois pratos da mesma balança.

Jean Satarobinski, que devemos lembrar nesta ocasião, faz confluir na sua inquirição sobre o que é o ensaio, a imagem da balança e a imagem do enxame. Entre Exame e enxame, parónimo significativo, o ensaio é encimado pela sentença de Montaigne: «Que sais je?». Isso o anima e justifica – essa omnívora condição da dúvida. Conclui Starobinski que o exame que todo o ensaio é, proveniente do verbo exigo («empurrar para fora», «expulsar», «exigir»), tanto nos pode levar à ideia dessa escrita híbrida como exercício de ponderação e avaliação – como a lingueta do fiel da balança e, portanto, ensaio como modo de pesagem e controle – como discurso onde, à semelhança de um enxame, há como que «a revoada de pássaros».

No limite, «ensaio», será esse «exame atento» a problemas controversos que podem  ser estudados de forma original, sem dispensar o rigor. Esse «enxame verbal» através de cujas palavras libertamos um modo de estar no mundo será ensaio, esboço, proposta de interpretação do nosso tempo. E é justamente a ideia de ensaio como compreensão do tempo o que os dois livros premiados articulam.

 

A obra de Fernando Rosas “Salazar e o Poder. A Arte de Saber Durar”, publicada pela Tinta da China, constitui uma sólida tentativa de interrogação consistente sobre as estruturas e práticas do Estado Novo.

A sua arquitectura é elaborada com o fim de compreender como o poder foi tomado a partir de modificações permitidas pelo processo iniciado com a Ditadura militar após 1926. Essa compreensão é neste livro processualmente guiada através de uma perspectiva que entretece factores políticos e administrativos, militares e propagandísticos, construindo um tecido cujo fechamento programado ainda pode ser comprovado por quem viveu nesse regime.

Fernando Rosas ultrapassa aqui os propósitos e parâmetros do historiador para nos propor uma construção cultural que é simultaneamente um monumento e documento que mergulham no Lebenswelt de um leitor que utiliza então as memórias do quotidiano, porventura familiares, para compreender o modo de condicionamento, controlo e formatação de mentalidades porventura até hoje mantidas em novas formas de imobilismo e conformismo.

 

Em O Cinema da Poesia, a agudeza das leituras de Rosa Maria Martelo parece nascer dessa mesma vontade de agir contra o conformismo das interpretações.

Exercício deambulatório por poemas e problemas de poética da nossa contemporaneidade, Rosa Maria Martelo cartografa linguagens tão diversas quanto as de Cesário Verde ou Al Berto, Sophia de Mello Breyner ou Ruy Belo, sem esquecer o que significaram as imagens para a «Poesia 61» ou o que, agudamente, infere das obras de Herberto Helder ou Manuel Gusmão. Esta reunião de ensaios contempla, por outro lado, relações com a Filosofia, a Estética e o Cinema, defendendo que toda a poesia é visionarismo, projecção de imagens que no seu fazer não se eximem a resgatar da sétima arte alguns processos de construção.

De facto, ao destacar a imagem como estratégia discursiva, mais do que como simples recurso retórico, Rosa Maria Martelo, desmonta o sentido do «visionarismo» das imagens verbais. Dá-se a ver o poema como «imagem-cristal», metáfora produtiva e que, de algum modo, como que atravessa, operativamente, as exegeses aqui expendidas.

O Cinema da Poesia, publicado em 2012, com chancela da Assírio & Alvim, sucede a um outro livro da Professora Doutora Rosa Maria Martelo, da Universidade do Porto, A Forma Informe – Leituras de Poesia (2010). Leitora exigente das formas da arte, os trabalhos de Rosa Maria Martelo são, pois, imprescindíveis a todos quantos lêem, estudam, ensinam e amam a poesia portuguesa.

Deste ponto de vista, ambas as obras premiadas têm também um interesse pedagógico, dado que, seja no plano da historiografia, seja no âmbito dos estudos de poética / teoria da arte, vêm convocar para o nosso tempo a importância da cultura como lugar onde a memória colectiva permanece viva.

O Júri: António Carlos Cortez, João Almeida Flor, Teresa Salema

 

Narrativa

Este é um texto colectivo, da responsabilidade dos três membros do júri, Manuel de Queiroz e Júlio Moreira, escritores, e Carlos Jorge F. Jorge, Professor e ensaista.

Travessa d’Abençoada, de João Bouza da Costa, editado pela Sextante, sendo um romance de estreia, é uma obra de grande maturidade, não só pela forma como o seu autor constrói o seu muito particular universo ficcional, como pela segurança com que maneja os diferentes recursos literários e estilísticos que utiliza.

Assim, a título excepcional, o júri, constituído por Júlio Moreira, por Carlos Jorge Figueiredo Jorge e por mim próprio, decidiu por unanimidade, não o propor para o Prémio Primeira Obra, a que seria naturalmente candidato, mas distinguí-lo antes com o prémio P.E.N. de Narrativa 2012.

A acção do romance centra-se num espaço urbano, isolado e restrito, situado em Lisboa – a Travessa que dá nome ao livro – habitado desde sempre por pessoas e famílias de baixos recursos, forçadas a conviver em tempos mais próximos com outras famílias e outras pessoas, vindas de diferentes paragens e culturas, ou ainda de extractos económicos, sociais e culturais mais elevados. O que os liga entre si, ao longo de toda a narrativa, é apenas a simultaneidade da sua presença num mesmo espaço, a Travessa, e num mesmo tempo, aquele que medeia entre as 5h.30 de um dia, e as 7h.11 do dia seguinte.

Os percursos individuais de cada uma das personagens, bem como as inevitáveis inter-relações que, por simples efeito de proximidade, inevitavelmente estabelecem, são observados pelo narrador, uma voz na terceira pessoa que domina discretamente a narração, que percorre as suas consciências, ora através dos seus discursos directos, quando é caso disso, ora e sobretudo, através de um discurso indirecto, alternando com o discurso indirecto livre, pontuado ali e acolá com referências mais ou menos longas aos seus percursos de vida.

Um sentido muito forte do ritmo da frase e da organização da sintaxe, um domínio exímio dos códigos de linguagem próprios dos diferentes tipos de personagens, mas ainda um registo poético a aflorar de quando em quando, são características fundamentais desta narrativa.

O bem e o mal, a violência e o amor, os choques passionais e os percursos de vida são apresentados num ritmo muito bem-sucedido de alternância entre um certo abjeccionismo, a sublimidade visionária, a empatia terna e a distanciação irónica. Entre o delírio sistemático de uma criança autista, na escuta dos sinais da vida e da morte no seu prédio e nos edifícios vizinhos, e o derradeiro discurso interior de um velho paralisado à beira da morte, passando pelas deambulações da jovem grávida pelo seu passado mas também pela sua condição presente, o tradutor, figura central na narrativa, “traduz”, é testemunha e devolve o que vê e observa. E cito: “poder ser testemunha. Nem mais nem menos: ver, constatar o breve fenómeno de uma presença “a cada sopro da brisa”. E apontá-lo”. Fim de citação.

E aqui, a circunstância biográfica de o autor ser tradutor profissional pode tê-lo ajudado a construir a sua personagem, a conferir-lhe maior espessura na sua capacidade para estabelecer pontes entre pessoas, línguas e culturas, entre a vida na Travessa e a cidade que a rodeia e que tão bem descreve, mas isso é o que menos importa.

 

Primeira Obra

 

O Pen Clube português decidiu atribuir o Prémio Primeira Obra à autora Raquel Nobre Guerra, pela sua obra de estreia na poesia, cujo título é Groto Sato. O júri foi onstituído por Teresa Salema (Presidente) e pelos vogais Manuel de Queiroz e Maria João Cantinho.

Não é um caminho fácil, o de penetrar nesta obra, e sabe-o quem a leu. Um primeiro livro, particularmente de poesia, que se entrega assim ao risco da linguagem, sem medo e desnudando-se deste modo, prenuncia uma poesia muito forte. E por várias razões, que se tornam evidentes para quem lê Groto Sato. Logo neste título se desenha um programa, na conjugação de duas palavras que não se ajustam, que remetem para a contradição. “Groto” é uma palavra polissémica, apontando para a ideia da gruta mágica, enquanto a palavra “Sato” nos reenvia para a língua japonesa, que significa “iluminado”. Um lugar iluminado, mas que também se situa nas profundezas.

Em primeiro lugar, esta obra não faz concessões de espécie nenhuma. Começa logo na epígrafe: “no paraíso só se entra com uma escavadora”. A metáfora é, em si mesma, um foco de irradiação que simultaneamente nos adverte e se constitui como promessa: o acesso ao paraíso. Mas a questão permanece: De que paraíso é este, de que se fala aqui? E por que razão apenas se pode entrar de escavadora? A resposta está nesse trabalho/labor sério da poesia que, rejeitando os clichés, reclama o lugar e o fulgor da poesia inteira. Ou o da linguagem poética, aquele que faz vacilar os cânones e os transgride, num jogo de reinvenção da linguagem. A entrada no paraíso, assim, não é dada, mas conquistada arduamente, fruto de um labor incansável e subterrâneo, uma vez que as próprias forças da linguagem (e a sua eficácia) nem sempre são visíveis, resultando antes de uma laboriosa transfiguração. A escolha de Raquel Nobre Guerra radica nesse evitar do caminho fácil, procurando sempre o efeito da surpresa, no modo como recorre às imagens e às metáforas e, aqui, esse jogo é intensíssimo.

Como João Barrento diz, no seu posfácio, “A poesia tem legitimidade para exigir o que quer, mas nunca mudou o mundo. Ela tem de estar atenta (…)”. Em lugar de se perder na banalidade do mundo e de se confundir com a debilidade de uma boa parte da poesia actual, o/a poeta é alguém que perscruta as profundezas da sua própria época e que procura dar conta dessas forças sísmicas que a percorrem e é nesse sentido que a poesia desta autora se furta à banalidade de algum discurso poético, numa diversidade ampla de registos que a percorre, desde o poema breve e aforístico aos poemas de grande, desmesurado fôlego, como a magnífica “Saudação a Álvaro de Campos”. Um ponto voraz, eis o que ela persegue e, ao folhear-se este livro, damo-nos conta dessa imensa ductibilidade formal e linguística que contém tantas possibilidades e encerra uma promessa. A sua escrita oscila entre essa leveza, de uma frase apenas, e os longos poemas de pendor imagético surrealizante, visceral e fortíssimo. Por vezes, revela-se mística e litúrgica, mas ela acontece sempre num diálogo lúcido e erudito com a filosofia e a literatura, num jogo de escuta das grandes vozes da poesia. Esta poesia, perdoem-nos a expressão, é um assalto às nossas convicções, um convite ao sobressalto, onde nos acena o paraíso. Ou o que dele vislumbramos.

Maria João Cantinho