Praga 2015 010

 

   

Para quem vem de Lisboa, ainda é Inverno em Praga. Contudo, o frio é calmo e não há neve nem gelo: depressa a cidade se torna acolhedora e calorosa, a partir do quinto andar do edifício da Biblioteca Nacional, onde está instalado o Centro PEN Checo. Os dois últimos lances de escadas têm de ser transpostos a pé e a simpatia dos colegas checos não deixa de fazer efeito. Da Biblioteca Nacional à residência do Presidente da Câmara distam poucos metros, correspondentes ao cruzar de uma praça. E é aqui que, no salão nobre, foi entregue o prémio PEN para 2015 ao artista plástico, poeta e editor Josef Vinklát.

   Com a presença de representantes de cerca de vinte Centros convidados (do Centro eslovaco, que até à separação dos dois países perfazia um único Centro com o aniversariante, ao Centro coreano, o mais longínquo), a celebração dos 90 anos de existência foi confessadamente um motivo de júbilo e de reflexão. Notando que a grande maioria dos Centros em países do Leste europeu nasceu nos anos 20, assim como o PEN Internacional, não é possível esquecer os anos ambíguos do regime “sovietizante”: se por um lado muitos escritores críticos de países como a Hungria, a Bulgária, a Jugoslávia (hoje desmembrada numa pluralidade de países e correspondentemente de Centros) se viam obrigados a emigrar, ou a escrever em condições precárias e sitiadas, por outro lado para os mesmos regimes a manutenção de um Centro PEN conferia uma aparência de baluarte antifascista e anti-imperialista. Assim, muitos desses Centros terão ocasião de festejar em breve o respectivo 90º aniversário, num ambiente similar de festa e reflexão.

   Embora o nosso Centro ainda só tenha cumprido 36 anos, porém a sua arqueologia mostra-nos que desde 1926 foram assinaladas tentativas para criar um PEN em Portugal e nos anos 40, aproveitando a relativa liberalização do regime no pós-guerra, tal Centro chegou a vias de facto e, no jantar de 21.1.1947, o então Secretário Alves Redol proferiu um discurso cujo manuscrito se encontra na posse do seu filho, António Redol. Dele citamos uma passagem: “.. o exercício intelectual, quando visa o serviço de todos ou o bem publico, envolve muito mais deveres que direitos. […] Poderemos, portanto, constituir, se o quisermos, pela variedade e pela força dos nossos recursos, o mais alto corpo de literatura viva de Portugal.”

   Numa cidade como Praga, todos os caminhos fazem-se a pé ou de transportes públicos e todos os convívios se processam em cafés ou pubs de paredes escuras, propiciadores da troca de memórias. A qualquer hora do dia e da noite, os ângulos das ruas acolhem a imaginação de pequenas histórias; o reflexo das águas do rio retém, em movimento, os perfis dos monumentos e das pontes.

   Um momento particularmente emocionante foi a visita à casa de Karel Čapek (1890-1938), uma vivenda com jardim construída na periferia da cidade pelo irmão Josef. O fundador do Centro PEN checo, autor de romances, peças de teatro, ensaios e crónicas de viagem, e quiçá mais conhecido por ter forjado o termo robot na peça R.U.R. (Rossum’s Universal Robots) de 1920, ali viveu e conviveu. A casa, adquirida pela administração do bairro e cujo recheio está a ser inventariado para se tornar numa casa-museu, tem a aura trágica de tudo o que se dissolve depois de uma época. No seu último andar, de certo modo como um canto de resistência, vemos ainda a sala de reuniões onde se juntavam grupos de discussão à sexta-feira. A eles pertenceu também o grande amigo do autor e primeiro presidente da República da Checoslováquia, Tomas G. Masaryk, sobre o qual Čapek também escreveu.

   Deixamos assim, para finalizar esta breve nota, os testemunhos de ambos.

Tomas G. Masaryk:

   Se devo dizer em que é que a minha vida atinge o seu ponto culminante, não se trata de me ter tornado presidente mas de poder honrar esse difícil dever. A minha satisfação pessoal […] é mais profunda; trata-se de, apesar da minha função presidencial, eu nada ter suprimido de importante naquilo em que acreditava e amava, quando era um estudante pobre, um professor de jovens, um crítico incómodo, um político reformador; mesmo no poder, não sigo uma lei moral diferente nem uma atitude nova face aos mais próximos, à nação e ao mundo.

   Karel Čapek:

   Somos poucos. No nosso país, cada homem tem mais deveres, incluindo os deveres cívicos, do que nos países maiores. Isso compromete os escritores, se forem capazes, a manifestar o seu interesse activo em todos os assuntos nacionais e políticos. Tal atitude trazer-lhes-á apenas dissabores, mas eles estão habituados a causar dissabores e têm de poder suportar dificuldades.

(T. S., 15.2.2015)

Imagens: Em cima, mesa de trabalho de Karel Capek. Em baixo, foto de grupo dos participantes. tendo ao fundo um painel comemorativo do Congresso do PEN de 1938, em Praga; programa do Encontro.

Praga 2015 006

poz