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Como nos contou Miquèla Stenta, a tradição occitana criou um conceito de “Cortesia”, patente desde os tempos da poesia trovadoresca e que inclui “larguesa” (valor do dom), “prètz” (mérito de sentimentos elevados e de comportamento requintado), “convivência” (arte de viver juntos), “sen e saber” (sensibilidade e conhecimento), “fin d’amor” (conhecimento através do amor humano) e “paratge” (nobreza de coração, espírito e alma). Mas não serão os valores do diálogo e da paz, quando generalizados? Perguntou um dos cerca de trinta participantes do Encontro organizado pelo centro PEN Occitano.

Fizemos parte de quatro mesas-redondas sobre as liberdades de consciência e de expressão, bem como as problemáticas dos refugiados e das mulheres, na História e na actualidade. Nas quentes noites mediterrânicas, poetas de hoje e de sempre foram declamados e cantados; a voz de Eric Fraj fez ressoar, na bela língua occitana, poemas de García Lorca; Edmond Charlot, editor de Camus, foi relembrado e homenageado; em Minerve, cidade cátara, foi celebrado o centenário de nascimento do poeta local Léon Cordas. No domingo 28, peregrinou-se a lugares de memória como o antigo campo de internamento de Rivesaltes (que data do tempo da Guerra Civil de Espanha e da Segunda Guerra Mundial), o túmulo de Antonio Machado em Collioure, terra onde faleceu depois de atravessar a fronteira francesa e o memorial de Dani Karavan erigido em Port Bou, no lado espanhol da fronteira, nos cinquenta anos do suicídio de Walter Benjamin, sob a ameaça de retorno à França ocupada pela Guardia Civil.

Só a leveza do convívio entre amigos pode contrabalançar o peso das memórias, sem as quais não saberíamos viver nem criar. Este encontro teceu mais um elo na sequência dos encontros de Arles (2008), Haifa (2010) e Lisboa (2013): malhas para a rede euro-mediterrânica que foi surpreendida pela violência de ataques islamistas em plena realização dos trabalhos. Também por isso, a cooperação no processo de redacção de dois textos, um sobre a necessidade de assumir a responsabilidade pelo acolhimento dos refugiados (coordenado por Sylvestre Clancier) e outro sobre a necessidade de proteger e cultivar a língua e cultura occitanas na respectiva região, em plano de igualdade com a francesa (coordenado por Jean-Frédéric Brun).

E não se esqueceu nem a palavra de Titos Patrikios nem a Grécia que a eurocracia pretende vergar, nas leituras onde todos nos ouvimos nas respectivas línguas e em tradução francesa e/ ou occitana.  Os deuses já se retiraram há muito, constatava Hörderlin que procurava os seres humanos e dizia não os encontrar entre os alemães. O Deus monoteísta da fábula de Bluma Finkelstein chora ao ver que os militares do mundo não deixam passar os seus povos.

Mais, muitos mais encontros como este precisam-se. Fáceis de realizar (com muito trabalho por detrás, sempre) desde que os participantes aceitem soluções simples: habitar num albergue de juventude e comer na respectiva cantina. Práticas e ambientes que favorecem a constante demanda da palavra convivial. Aqui seja tecido um expresso louvor aos múltiplos talentos de Miquel Decor (vice-presidente do PEN occitano e que também participou no encontro de Lisboa em 2013), alma logística e comunicacional desses luminosos e saborosos dias. (T.S.)

Imagens: Bluma Finkelstein e Jean-Fréderic Brun (presidente do Centro PEN occitano), numa das mesas-redondas ; memorial de Dani Karavan a Walter Benjamin, em Port-Bou.

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