1974 – 2014

 ANTOLOGIA DE TEXTOS DE AUTORES DO PEN NOS 40 ANOS DA REVOLUÇÃO DE ABRIL

 

ANTHOLOGY OF TEXTS BY PEN AUTHORS ON THE 40TH ANNIVERSARY OF THE APRIL REVOLUTION

 

ANTHOLOGIE DE TEXTES D’AUTEURS DU PEN POUR LE 40ÉME ANNIVERSAIRE DE LA RÉVOLUTION D’AVRIL

 

ANTOLOGÍA DE TEXTOS DE AUTORES DEL PEN PARA EL 40. ANIVERSARIO DE LA REVOLUCIÓN DE ABRIL

 

 

A madrugada e as formas da História

 Aquela madrugada de 25 de Abril de 1974, irrepetível como todos os momentos, comemorou o seu quadragésimo aniversário – em palavras e imagens, em manifestações de rua, evocações de afectos paradoxais e sempre por preencher. Memórias com lacunas, esperanças e temores.

Esse kairos desdobra-se aqui através da palavra poética que foi aberta com os versos seminais de Sophia de Mello Breyner Andresen:

Esta é a madrugada que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo.

Muitos de nós, por exemplo quem vivia no estrangeiro no período da ditadura e pôde finalmente regressar a Portugal após a instauração da liberdade por armas que depuseram um poder caduco sem produzir sangue, não tem uma memória vivida dessa madrugada, bem como as gerações mais novas. Porém, sempre nos resta pensar nesse entrançado complexo da História, no antes e no depois. E em como outros textos precederam a libertação do governo dos corpos, os embates das ideias. Como, por exemplo, escreviam Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa no início dos anos setenta: “E muitas e muitos serão chamados à liberdade e poucas e poucos serão escolhidos a esta maldição dela que é ter a palavra gostosa, o coração curioso e airado e o pé ligeiro” (Novas Cartas Portuguesas, 1972).

Os textos que se seguem destes oito autores do PEN são testemunhos de partes dessa História.

Teresa Salema C.

 

The dawn and the forms of History

That dawn of the 25th April 1974, unrepeatable like each moment, has commemorated its fortieth birthday – in words and images, in street demonstrations, evoking paradox, unfulfilled affects. Memories with gaps, hopes and fears.

That kairos unfolds here by means of the poetic word that has been opened with the seminal verses written by Sophia de Mello Breyner Andresen:

This is the dawn that I expected

The initial day whole and clean

Where we emerge out of the night and the silence

And dwell free in the substance of time.

Many of us, for instance those who lived abroad during the dictatorship and were finally able to return to Portugal after the implementation of freedom by arms that have unseated a decrepit power without bloodshed, have no living memory of that dawn, as well as the younger generations. Yet we have the chance to think about that entangled complex of the History, of what was before and after. And about other texts that preceded the liberation of the governance and the bodies, the clashes of ideas. In the early seventies, Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta and Maria Velho da Costa wrote: “And many women and men will be summoned to freedom and few women and men will be elected for this curse of it which means having the tasty word, the curious, airy heart and a light foot” (New Portuguese Letters, 1972).

The following texts by these eight PEN authors are witness of parts of that History.

Teresa Salema C.

 

 L’aube et les formes de l’Histoire

Cette aube du 25 avril de 1974, irremplaçable comme tous les moments, a commémoré son quarantième anniversaire – en mots et images, en manifs de rue, évocations d’affects paradoxaux et toujours pas remplis. Des mémoires avec des lacunes, des espoirs et des craintes.

Ce kairos se déplie ici à travers la parole poétique qui a été ouverte avec les vers séminaux de Sophia de Mello Breyner Andresen :

Voici l’aube que j’attendais

Le jour initial entier et net

Où nous émergeons de la nuit et du silence

Et libres nous habitons la substance du temps.

Beaucoup d’entre nous, par exemple qui vivait à l’étranger pendant la dictature et a finalement pu retourner au Portugal après l’instauration de la liberté par des armes qui ont destitué un pouvoir décrépit sans produire du sang, n’ont pas une mémoire vécue de cette aube-là, ainsi que les générations plus jeunes. Il nous reste cependant la possibilité de penser à ce tordu complexe de l’Histoire, à l’avant et à l’après. Et à la façon comment d’autres textes ont précédé la libération du gouvernement des corps, les chocs d’idées. Comme, par exemple, écrivaient Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta et Maria Velho da Costa au début des années soixante-dix: «Et beaucoup d’elles et d’eux seront appelés à la liberté eu peu d’elles et d’eux seront choisis pour cette malédiction à elle qui réside en avoir la parole savoureuse, le cœur curieux et aéré et le pied léger » (Nouvelles Lettres Portugaises, 1972).

Les textes suivants de ces huit auteurs du PEN sont témoins de parties de cette Histoire.

Teresa Salema C.

 

El alba y las formas de la Historia

Aquella alba del 25 de Abril de 1974, irrepetible como todos los momentos, ha conmemorado su cuadragésimo aniversario – en palabras e imágenes, en manifestaciones de calle, evocando efectos paradoxales y siempre por rellenar. Memorias con brechas, esperanzas y temores.

Ese kairos se despliega aquí a través de la palabra poética que ha sido abierta con los versos seminales de Sophia de Mello Breyner Andresen:

Esta es el alba que yo esperaba

El día inicial entero y limpio

Donde emergimos de la noche y del silencio

Y libres habitamos la sustancia del tiempo.

Muchos de nosotros, por ejemplo quienes vivía afuera durante la dictadura y ha finalmente podido regresar a Portugal después de la instauración de la libertad por armas que han depuesto un poder caduco sin producir sangre, no tienen una memoria vivida de esa alba, así que las generaciones más jóvenes. Sin embargo, nos queda siempre pensar en ese trenzado complejo de la Historia, en el antes y en el después. Y en como otros textos han precedido la liberación del gobierno de los cuerpos, los choques de las ideas. Como han escrito, por ejemplo, Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa en el inicio de los años setenta: “Y muchas y muchos serán llamados à la libertad y pocas y pocos serán elegidos a esta maldición de ella que es tener la palabra sabrosa, el corazón curioso y airado y el pié ligero” (Nuevas Cartas Portuguesas, 1972).

Los textos que se siguen de estos ocho autores del PEN son testigos de partes de esa Historia.

Teresa Salema C.

 Autores – Authors – Auteurs – Autores

Ana Luísa Amaral

Ernesto Rodrigues

Firmino Mendes

Hélia Correia

Jaime Rocha

Liberto Cruz

Ricardo Marques

´Vítor Oliveira Jorge

 Ana Luísa Amaral

b. 1956. Poeta, ensaísta, novelista e tradutora. Professora e investigadora na Faculdade de Letras do Porto, tem um doutoramento sobre Emily Dickinson. Coordenou vários projectos de investigação. Tem em preparação dois livros de ensaios. É autora de mais de duas dezenas de livros, quer de poesia (como Minha Senhora de Quê, Às Vezes o Paraíso, A Génese do Amor, Entre dois rios e outras noites, Inversos, Poesia 1990-2010, ou Vozes), quer de teatro (Próspero morreu), quer infantis (como Gaspar, o Dedo Diferente, A História da Aranha Leopoldina, A Tempestade, ou Como Tu). Traduziu diferentes autores, como John Updike ou Emily Dickinson. O seus últimos livros são Ara (ficção, Sextante, 2013), Escuro (poesia, Assírio & Alvim, 2014) e Emily Dickinson, Duzentos Poemas (Relógio D’Água, 2014, no prelo). A sua obra está editada e traduzida em vários países. Em torno dos seus livros de poesia e infantis foram levados à cena espectáculos de teatro e leituras encenadas. Tem ensinado vários cursos de Escrita Criativa e de poesia. Obteve diversos prémios, entre os quais o Prémio Literário Correntes d’Escritas, o Premio di Poesia Giuseppe Acerbi, ou o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores.

 

b. 1956. Poet, essayst, novelist and translator. University Professor. Translated into many languages. Professor at the University of Porto. Research focus in poetry (Emily Dickinson), feminist and queer studies. Has coordinated international projects. She has written over twenty books, of poetry (such as Minha Senhora de Quê, Às Vezes o Paraíso, A Génese do Amor, Entre dois rios e outras noites, Inversos, Poesia 1990-2010, or Vozes), theatre (Próspero morreu) and children’s literature (such as Gaspar, o Dedo Diferente, A História da Aranha Leopoldina, A Tempestade, or Como Tu). She has translated poets like Eunice de Souza, John Updike, or Emily Dickinson. Theatre plays have been staged around her poetry and her books for children. Her books are published in several countries. She has taught several courses on Creative Writing. Her most recent books are Ara (fiction, Sextante, 2013),  Emily Dickinson, Duzentos Poemas (Relógio D’Água, 2014, forthcoming) and Escuro (poetry, Assírio & Alvim, 2014). She was awarded several prizes and distinctions, among which the Correntes d’Escritas/Casino da Póvoa prize, the Giuseppe Acerbi Prize, or the Grande Prémio da APE (Associação Portuguesa de Escritores).

 

 

ENTRE MITOS: OU PARÁBOLA

 

Para Anastasis Vistonitis

 

Não sabiam,

os que viviam felizes nas margens do Nilo,

da chegada daqueles que os haviam de reduzir a quase escombros,

nem dos que mais tarde lhes haviam de roubar terras e ideias

e saquear a beleza das pedras em perfeito equilíbrio, e noite e luz perfeita,

à procura das jóias e do ouro e de um conhecimento

que não lhes pertencia.

 

Não sabiam,

porque viviam no centro do seu tempo,

e o centro do tempo não sabe nunca o que lhe irá ser percurso,

como um rio que corre não conhece a sua foz,

só as margens por que passa e o iluminam, ou ensombram.

 

E ainda que nas margens do Nilo

não habitassem só os que muito possuíam,

mas também aqueles que pouco tinham de sustento e tecto,

unia-os a todos essa crença de uma paz futura,

de atravessar outras margens e encontrar paz.

 

Não sabiam o que vinha,

nem ao que vinha a sua história, como não sabem nada

os humanos que habitam este antigo sol azul.

 

Mas haviam de ter pressentido esse final,

e a alegria dos ciclos e dos aluviões

deve ter sido acompanhada de angústia pela chegada dos exércitos,

que lhes prometiam mais bem-estar e mais paz,

dizendo-lhes que para haver paz e bem-estar eram precisas

alianças e o abandono de crenças e uma história nova

a dizer-se mais útil.

 

Muito mais tarde,

deles ficaria uma memória a servir livros e mitos,

e o rumor do deserto,

e as perfeitas construções de pedra resistente,

e a sua escrita, bela e útil, que demorou anos a decifrar.

 

E muito disto não ficou na sua terra, às margens do Nilo,

mas foi roubado, e viajou em navios, por mares diferentes,

até museus e praças de outras cores

onde ganharia outros cheiros e outros sentidos.

Sempre assim parece ter acontecido

com o tempo e a história.

Sempre assim parece acontecer.

 

A não ser que uma esfinge se revolte

e ganhe voo, como a esfinge de um outro povo,

não às margens do Nilo, mas de um mar

povoado de mitos e pequenas ilhas.

 

Também não sabe, essa esfinge resguardada em Delfos,

de como irá ser o futuro das coisas e do tempo,

mas sabe da chegada dos que, em nome de um equilíbrio novo,

dizem poder salvar os tempos.

 

Talvez lhe sejam de auxílio o corpo de leão

e, levantadas, as asas.

 

E o enigma,

que pouco importa aos donos do equilíbrio,

mas que dizem ser a fonte da poesia.

E é a fonte de onde a carne desperta,

nas margens do humano.

 

In Ana Luísa Amaral, Escuro, Assírio & Alvim, 2014

 

AMONGST MYTHS: PARABLE

 

For Anastasis Vistonitis

 

They did not know,

those who lived happily on the banks of the Nile,

of the arrival of others who would plunder their lands and their ideas

and rob the beauty of the perfectly balanced stones, and the nights

and the perfect light, searching for gold and jewels and the knowledge

they did not own.

 

They did not know

for they lived in the centre of their time,

and the centre of time never knows what its course will have in store,

just as a running river has no knowledge of its mouth

but only of its banks, with which it travels under shade or light.

 

And although the banks of the Nile

were inhabited not only by those whose wealth was great

but also by those who hadn’t much sustenance or shelter,

all shared the belief in a future peace,

the wish to discover peace when crossing on to other banks.

 

They had no knowledge of what was to come,

nor the purpose of their history, as did not the humans

who inhabit this ancient blue sun.

 

But they must have sensed the outcome,

and the joy over the seasons’ cycles and floods

must have walked hand in hand with the anguish over army landings,

promising further wealth and peace,

heralding  themselves as more effective,

proclaiming that for peace and welfare to be gained, alliances

were needed as were  the relinquishing of creeds, and a new history.

 

Much later,

what remained  of them was a book and myth-serving memory,

and the desert’s resonance,

and the perfectly sound stone structures,

and the writings, beautiful and significant, that took years to unravel.

 

And much of all this didn’t stay in its homeland, on the banks of the Nile,

but was stolen, and loaded on to ships travelling across other seas

to museums and different coloured squares

where they would gain other smells and other meanings.

This is the way it always seems to have happened

in time and history.

This is the way it always seems to happen.

 

Unless a rebellious sphinx

takes to flight, like another people’s sphinx,

not from the banks of the Nile, but from a sea

dotted with myths and tiny islands.

 

Nor does it know, the sphinx sheltered in Delphos,

what will be the future of time and of things.

It only knows of the arrival of those who proclaim,

in the name of a new measure, the salvation of times.

Perhaps the body of the lion

with its open wings will be of help.

 

As will the enigma,

unimportant to the lords of measure,

but which is nonetheless the source of poetry.

There, on those humane banks

lies the source of the awakening

of the flesh.

 

(Transl. Ana Hudson)

 

ENTRE PAPYRUS ET MYTHES :

PETITE PARABOLE

 

 

Ils ne savaient pas,

ceux qui vivaient heureux sur les rives du Nil,

qu’étaient arrivés ceux qui les réduiraient à l’état de décombres,

ni ceux qui plus tard leur voleraient leurs terres et leurs idées

et saccageraient la beauté des pierres en parfait équilibre, nuit et lumière parfaites,

à la recherche des joyaux et de l’or et d’une connaissance

qui ne leur appartenaient pas.

 

Ils ne savaient pas,

car ils vivaient au centre de leur temps,

et le centre du temps ne sait jamais quel va être son parcours,

comme un fleuve qui coule et ne connaît pas son embouchure,

seulement les rives par où il passe et qui l’éclairent, ou l’assombrissent.

 

Et bien que sur les rives du Nil

les habitants ne fussent pas seulement les plus fortunés,

mais aussi ceux qui avaient de pauvres moyens et un abri précaire,

ils étaient unis par cette croyance en une paix future,

qu’en traversant d’autres rivages, ils trouveraient la paix.

 

Ils ne savaient pas ce qui allait venir,

ni à quoi rimait leur histoire, comme ils ne savent rien,

les humains qui habitent ce soleil bleu ancien.

 

Mais ils ont bien dû pressentir cette fin,

et la joie des cycles et des alluvions

a dû s’accompagner d’angoisse

à cause de l’arrivée des armées

qui leur promettaient plus de bien-être et plus de paix,

en leur disant que, pour que règnent paix et bien-être, il fallait

des alliances et l’abandon de croyances et une nouvelle histoire

s’annonçant plus utile.

 

Bien plus tard,

il resterait d’eux une mémoire au service des livres et des mythes,

et la rumeur du désert,

et les parfaites constructions en pierre résistante,

et leur écriture, belle et utile, que l’on a mis tant d’années à déchiffrer.

 

Et nombre de ces choses ne sont pas restées dans leur pays, sur les rives du Nil,

mais ont été volées, et ont voyagé en bateau, sur d’autres mers,

jusqu’à des musées et des places d’autres couleurs,

prenant d’autres parfums et d’autres significations.

Il semble qu’il en ait toujours été ainsi

du temps et de l’histoire.

Il semble qu’il en soit toujours ainsi.

A moins qu’un sphinx ne se révolte

et prenne son envol, comme le sphinx d’un autre peuple,

non pas sur les rives du Nil, mais au bord d’une mer

peuplée de mythes et de petites îles.

 

Il ne sait pas lui non plus, ce sphinx conservé à Delphes,

quel sera l’avenir des choses et du temps,

mais il sait que sont arrivés ceux qui, au nom d’un équilibre nouveau,

disent pouvoir sauver les temps.

Peut-être qu’ils pourront se valoir du corps du lion

et, une fois levées, de ses ailes.

 

Et de l’énigme,

qui importe peu aux maîtres de l’équilibre,

mais que l’on dit être la source de la poésie.

C’est la source d’où s’éveille la chaire,

sur les rives de l’humain.

 

(Trad. Catherine Dumas)

 

 

 

ENTRE MITOS: O UNA PARÁBOLA

 

Para Anastasis Vistonitis

 

No sabían,

los que vivían felices a orillas del Nilo,

de la llegada de aquellos que los reducirían a casi escombros,

ni de los que más tarde les habrían de robar tierras e ideas

y saquear la belleza de las piedras en perfecto equilibrio, y noche y luz perfectas,

en busca de las joyas y del oro y de un conocimiento

que no les pertenecía.

 

No sabían,

porque vivían en el centro de su tiempo,

y el centro del tiempo no sabe nunca lo que irá a ser trayecto,

como un río que corre no conoce su estuario,

sólo las orillas, por donde pasa, que lo iluminan o ensombrecen.

 

En ese tiempo a orillas del Nilo

no habitaban sólo los que mucho poseían,

también aquellos que poco tenían de sustento y techo,

y a todos los unía esa creencia en una paz futura,

de atravesar otras orillas y encontrar la paz.

 

No conocían lo venía,

ni al que llegaba a su historia, como no saben nada

los humanos que habitan este antiguo sol azul.

 

Pero debieron haber presentido ese final

y la alegría de los ciclos y aluviones

debió acompañarse de la angustia por la llegada de los ejércitos,

que les prometían más bienestar y más paz,

diciéndoles que para tener paz y bienestar eran necesarias

alianzas y el abandono de creencias y una historia nueva

que se decía más útil.

 

Mucho después,

de ellos quedaría un recuerdo sirviendo libros y mitos,

y el rumor del desierto,

y las perfectas construcciones de piedra resistente,

y su escritura, útil y bella, que tardaron años en descifrar.

Y mucho de esto no quedó en su tierra, a orillas del Nilo,

fue robado, y viajó en navíos, por diferentes mares,

hasta museos y plazas de otros colores

donde ganaría otros aromas y otros sentidos.

Parece que siempre sucedió así

con el tiempo y la historia.

Siempre así parece suceder.

 

A no ser que una esfinge se rebele

y gane vuelo, como la esfinge de otro pueblo,

no a orillas del Nilo, sino de un mar

poblado de mitos y pequeñas islas.

 

Tampoco sabe, esa esfinge protegida en Delfos,

cuál va a ser el futuro de las cosas y del tiempo,

pero sabe de la llegada de los que, en nombre de un nuevo equilibrio,

dicen poder salvar los tiempos.

 

Tal vez le sirvan de auxilio el cuerpo del león

y, erguidas, las alas.

 

Y, el enigma,

que poco importa a los dueños del equilibrio,

pero que dicen es la fuente de la poesía.

Y es las fuente donde la carne despierta,

a orillas de lo humano.

 

Trad. Lauren Mendinueta

 

 

 

 

Ernesto Rodrigues

 

Ernesto Rodrigues (1956) editou vinte títulos em poesia e ficção desde a estreia em 1973. Reuniu oito volumes de ensaios, salientando-se Mágico Folhetim: Literatura e Jornalismo em Portugal (1998) e Cultura Literária Oitocentista (1999). Organizou 21 edições, prefaciadas, de autores portugueses e traduziu mais de uma vintena de títulos húngaros, incluindo o Prémio Nobel Imre Kertész, Sándor Márai, Desző Kosztolányi e Magda Szabó, a par de uma Antologia de Poesia Húngara, editada em 2002.

 

Ernesto Rodrigues (born 1956-) has published twenty works of both poetry and fiction from his debut in 1973. He has compiled eight volumes of essays, of which Mágico Folhetim: Literatura e Jornalismo em Portugal (1998) and Cultura Literária Oitocentista (1999) are of particular mention. Rodrigues has compiled prefaced editions for twenty one Portuguese authors, and translated more than twenty works from Hungarian, including the Nobel Laurete Imre Kertész, Sándor Márai, Desző Kosztolányi and Magda Szabó together with an Anthology of Hungarian Poetry published in 2002.

 

 

CALÇADA PORTUGUESA

 

1. Salazar

Mesmo no Verão, eram camisolas sobre camisolas. Pretas. Trazia, dizia-se, um grande peso sobre o coração.

 

2. Política

A morte sentou-se no primeiro conselho de ministros e elencou o programa de governo. Os colegas, menos ousados, seguiram-na. Quando o primeiro-ministro quis fazer a síntese, tocaram-lhe no braço: faltavam umas horas para a ressurreição. Acordou ao terceiro dia, num bocejo de promessas. Era tarde.

 

3. Mistério

Usou toda a vida óculos escuros, para ser confundido com vedeta de cinema. Como não era, tinha desculpa.

Quando morreu, impossível arrancar-lhos, sem a cara.

 

4. Provérbio

Pedra a pedra, enche a calçada o rabo.

 

5. Virtudes

São conhecidas as virtudes do vinho tinto, quando bebido moderadamente. E da cerveja, se bebida moderadamente. O cinto de segurança é também virtuoso, se devidamente colocado. E a moderação, se tomada como deve ser. Só falta tomar uma atitude.

 

6. Justiça

«A justiça é a grandeza das nações», lemos em Provérbios, 14: 34.

Falta grandeza a esta nação.

 

7. Calçada portuguesa

As pedras da calçada põem-se em marcha. Impressiona, numa cidade portuguesa, ver o movimento irregular destas calçadas, tão oprimidas.

Quando senti que me fugia a vida sob os pés, e me abracei a uma árvore, vi a avenida em sossego lento descendo para o terreiro larguíssimo, onde formas novas ondeavam, em desafio – ao mar, e ao nosso equilíbrio.

 

PORTUGUESE COBBLES

1. Salazar

Even in summer, there were nightgowns on top of nightgowns. Black. Which put, it was said, a great weight on the heart.

 

2. Politics

Death sat at the first Council of Ministers and listed his Government programme. The less audacious colleagues followed him. When the Prime Minister wished to make a summary they touched his arm: it took a few hours to resurrect him. He awoke on the third day, in the middle of a yawn of promises. It was too late.

 

3. Mistery

All his life he used darkened sunglasses in order to be mistaken for a cinema vedette. As he was not, he had an excuse.

When he died it was impossible to pull them off without tearing his face.

 

4. Proverb

Stone by stone, the pavement reaches its end.

 

5. Virtues

The virtues of red wine are known, when drank in moderation. And of beer, if drank in moderation. The safety belt is also virtuous, if fastened properly. And moderation, if taken as it should be. All that we lack is adopting an attitude.

 

6. Justice

“Justice is the greatness of nations,” we read in Proverbs, 14: 34.

This nation lacks greatness.

 

7. Portuguese cobbles

The stones of the pavement are set in motion. In a Portuguese city it is impressive to see the irregular movement of these cobbles, so oppressed.

When I have felt that life is slipping from underfoot, and I embrace a tree, I have seen the avenue slowly, tranquilly, descending to the large square, where the forms undulate, in challenge − to the sea, and to our equilibrium.

 

 

 

 

Firmino Mendes

 

Firmino Mendes nasceu em Guimarães, no norte de Portugal, perto do Porto, em 5 de Dezembro de 1949. A Associação Portuguesa de Escritores (APE) atribuiu-lhe o Prémio Nacional de Revelação em Poesia, em 1991, pelo livro “Ilha sobre Ilha”. Publicou, ainda, os livros de poesia “Invocação e Ofícios”, “Fronteira Animal”, “Um Segredo guarda o mundo”, “A Terra e os dias”, “Janela branca”, além de alguns ensaios na área da literatura.

 

Firmino Mendes was born in Guimarães, in the north of Portugal, near Oporto, in the 5th of December of 1949. The Portuguese Association of Writers assigned him the National Breakthrough Award in Poetry, in 1991, for the book “Ilha sobre Ilha” (Island over Island). He also published the poetry books “Invocação e Ofícios” (“Invocation and Crafts”), “Fronteira Animal” (“Animal Border“), “Um Segredo guarda o mundo” (“A Secret saves the world“), “A Terra e os dias” (“The Land and the days”), “Janela branca” (“White window”), beyond some trials in the area of literature.

 

 

POEMA AO PAI
Pai, ainda sei dos caminhos longos
e das manhãs frias, quando me faltaste
As voltas que dei à casa, os gritos
o não saber ainda que a morte era possível

Eu estava ali, mesmo ao lado
e senti o teu coração cair
como um meteoro que incendiasse a
Terra para sempre

Eras demasiado jovem para deixar de ser visto
mas eu já tinha a memória preenchida
com algumas linhas de água que ficaram:
campos de liberdade, caminhos abertos
sobre o medo e os dias de chumbo

Tu sorrias e tocavas a mão aquecida
para lá do pequeno mundo das paisagens
verdes e das casas de granito
com as fábricas ao longe, como cercas
de ferro e arame, onde a servidão se servia fria

Pai, hoje há novos caminhos e alguns dos trilhos
desapareceram para sempre mas eu continuo
a saber onde caminhavas e a colocar os pés
sobre as marcas indeléveis que deixaste

Às vezes, parece que danço, por querer tanto
caminhar sobre os vestígios impressos na lama
e sinto o coração resistente das tartarugas
que continua a bater depois de mortas e esquartejadas

Sei que este não é o tempo que querias: os vampiros
sobrevoam os campos e permanece o ruído das fábricas
Se estivesses aqui, saberias como sofrem os da tua idade:
espoliados, feridos, assaltados, esquecidos, maltratados
Sei que chorarias e assim te vejo em cada um dos que sofrem

Mas o mundo está melhor, pai. Apesar do agudo silêncio
que perturba os que perderam a voz, hoje poderias gritar
ao lado dos filhos que não tiveste tempo de ver crescer
e não terias morrido tão cedo porque os tempos mudaram
ao sabor de Abril
A POEM TO MY FATHER

 

Dad, I yet know of the long paths

And of the cold mornings when I missed you

The rounds I run around the house, the wailings,

The not yet knowing that death was possible.

 

I was right there, by your side

Feeling you heart falling

Like a meteor that forever set the Earth on fire.

 

You were too young to no longer be seen

But of memories my mind had already been filled

Along with the remaining lines of water;

Over fear and days of lead.

 

You smiled and touched the warm hand

Beyond the small world of green landscapes

And granite houses

With factories at a distance, like fences of iron and wire

Where servitude is served cold.

 

Dad, there are new paths today

And some tracks are gone forever,

But I continue knowing where you trod

So I step over the indelible footprints left by your feet.

 

Sometimes it almost feels that I dance

For wanting so desperately to step over your left traces on the mud

And I feel the sturdy heart of the turtle

Which keeps beating

Well even after she has been slaughtered and quartered.

 

I am aware this is not the era you wished:

Vampires fly over the meadows and the roar of factories remains;

Were you here and you would know

How much suffer those of your time,

Who are fleeced, injured, forgotten, mistreated;

I know you would cry

And therefore see you in each of them who wail.

 

But the world is getting better, Dad,

Despite the sharp silence disturbing the ones who were left voiceless

You would still shout today along with the children

You failed to have the time to watch grow.

And you would not have had to die so early

For the times have changed

Along the web and flow of the month of April.

 

 

 

Hélia Correia

 Hélia Correia nasceu em Lisboa. Licenciada em Filologia Românica, foi professora do ensino secundário. Poetisa e dramaturga, foi enquanto ficcionista que Hélia Correia se revelou ao publicar, em 1981, O Separar das Águas. Seguiram-se romances como Montedemo, Casa Eterna, (Prémio Máxima de Literatura, 2000), Insânia, Bastardia, Lillias Fraser (Prémio de Ficção do PEN Clube 2001 e Prémio D. Dinis, 2002) e Adoecer (Prémio da Fundação Inês de Castro, 2010). A sua escrita para teatro tem privilegiado os clássicos gregos. Destacam-se Perdição- Exercício sobre Antígona, O Rancor-Exercício sobre Helena e Desmesura-Exercício com Medeia. As suas obras mais recentes intitulam-se A Chegada de Twainy (infanto-juvenil), 2011, A Terceira Miséria (Poesia), 2012 e “Vinte Degraus e Outros Contos”, 2014.

Hélia Correia est née à Lisbonne, Portugal. Elle a fait ses études en Philologie Romane et a été professeur du second degré. Poète et dramaturge, c’est en tant que écrivain de romans qu’elle a une activité plus régulière depuis 1981 où elle a publié «O Separar das Águas». D’autres romans ont suivi :Montedemo, Casa Eterna, (Prémio Máxima de Literatura, 2000), Insânia, Bastardia, Lillias Fraser (Prémio de Ficção do PEN Clube 2001 e Prémio D. Dinis, 2002) e Adoecer (Prémio da Fundação Inês de Castro, 2010). Son oeuvre dramatique privilegie les thèmes classiques de la Grèce Ancienne : Perdição- Exercício sobre Antígona, O Rancor-Exercício sobre Helena et Desmesura-Exercício com Medeia. Ses livres les plus recents sont A Chegada de Twainy (infanto-juvenil), 2011, A Terceira Miséria (Poesia), 2012 e “Vinte Degraus e Outros Contos”, 2014.

 

25 DE ABRIL

 

Nunc est bibendum, Horatio

 

Agora deve-se beber, ohé, dançai

sobre este chão que estala com o cheiro

das coisas prometidas, com o fresco

tambor da ansiedade.

 

É a festa, mulheres!

Que sangue vibra,

que flor ou menstruo? Cor

que abotoais nas blusas, que atirais

na direcção do sol.

Espantosamente

se desfaz a montanha.

Hoje é a ceifa, ohé!

Beijai a terra,

soletrai-a com sede e devagar

como se toma a posse do amor

e se mordem os frutos.

Salve, mãe, o teu ventre perfumado

pelo nosso triunfo.

 

Bebamos, pois o vinho destas vozes,

soltemos estes cravos como potros

embriagados.

Como intensas éguas

incendiárias.

 

Cantai, cantai, crianças, o esplendor

de que nasceis herdeiras.

Erguei nas vossas mãos o ar por onde

esvoaça esta alegria.

Que ninguém adormeça.

Por que dias,

meses a fio, e anos, dançaremos

por sobre a claridade.

 

Vinde, bebei, ciganos :

Eis a pátria.

 

Le 25 Avril

Nunc est bibendum, Horatio

 

C’est le moment où il faut boire, ohé,

Dansez sur ce sol qui éclate sous l’odeur

des choses qu’on avait promises,

au son du frais tambour de l’anxiété.

 

Allez, femmes, c’est la fête !

Quel est ce sang qui vibre,

Quelle fleur, quelles menstrues ?

C’est la couleur que vous attachez

à vos blouses, que vous lancez vers le soleil.

La montagne s’accable étonnamment.

 

C’est le moment des moissons, ohé !

Touchez la terre avec vos lèvres,

Dites son nom de façon assoiffée,

de façon douce, comme on prend

possession de l’amour ou l’on mord les fruits.

 

Nous saluons, mère, ton ventre

Que notre triomphe a couvert de parfum.

 

Buvons, donc, du vin que coule dans ces voix,

Qu’on délivre ces œillets comme des poulains ivres,

Comme des puissantes juments

Qui propagent le feu.

Chantez, les enfants,

Chantez cette splendeur dont vous êtes

Les héritiers.

Levez dans vos mains cet air par où s’envole

Cette joie.

 

Que personne ne s’endorme.

Parce qu’au fil des jours et des années

Nous danserons

Par-dessus la clarté.

 

Les tziganes, soyez les bienvenus, buvez:

Voici le pays à tous.

 

Jaime Rocha

 

Jaime Rocha nasceu na Nazaré, Portugal, em 1949. Fez os seus estudos universitários em Lisboa. Começou a publicar em jornais literários e em antologias desde 1968. Por ser contra a Guerra Colonial viveu exilado em França nos últimos anos da ditadura portuguesa. A seguir à Revolução dos Cravos, Abril de 1974, regressou a Portugal onde trabalhou como jornalista durante mais de trinta anos. Publicou várias obras de ficção, poesia e teatro. O seu romance «Anotação do Mal» recebeu o Prémio do Pen Clube de Ficção de 2008 e obteve o mesmo prémio em 2011 desta vez pelo livro de poesia «Necrophilia». Recentemente editou o livro de poemas «Lâmina» e dois romances intitulados «A Rapariga Sem Carne» e «A Loucura Branca».

 

Jaime Rocha est né à Nazaré, Portugal, en 1949. Il a fait ses études à Lisbonne. Il a commencé par publier des poèmes en suppléments littéraires et en anthologies dès 1968. Pour échapper à la guerre coloniale, il a vécu exilé à Paris pendant les dernières années de la dictature. Après la Révolution  des Oeillets(Avril 1974) il est rentré chez lui et il a travaillé comme journaliste  pendant  trente ans. Il a publié plusieurs œuvres de fiction, de poésie et de théâtre. Sa nouvelle «Annotation du Mal» a reçu le prix du Pen Club Portugais 2008. Il a obtenu le même prix du Pen, en 2011,  pour son recueil de poèmes «Necrophilia». Il vient de publier «Lame» (poèmes) et deux romans, «La Femme sans Chair» et «La Folie Blanche».

 

 

ABRIL

 

Tu és o astro decisivo,

concha, portão,

caminho para Maio.

 

O teu ventre lançou figos,

morangos, uvas encarnadas,

trouxe cestos de toda a fruta,

cabazes, sonhos,

amores despertos.

 

Vieste dentro de um corpo

de vidro, com uma alma maior

do que as mãos, uma canção azul

a aprender a andar, tão longe

e tão perto como um comboio

de brinquedo.

 

Tu és o astro sim e outro ainda

e outro, um novelo de pinças

que dorme ao ciclo das flores,

à espera dos homens do futuro.

AVRIL

 

Tu es l’astre décisif,

la coquille, la grande porte,

le chemin pointé au mois de Mai.

 

Ton ventre a versé des figues,

des fraises, des raisins rouges.

Il a amené des paniers remplis

de tous les fruits, des cabas,

des rêves, des amours éveillés.

 

Tu es venu dans un corps de vitre,

en apportant une âme plus grande

que les mains, une chanson bleu

qui apprenne à marcher, si loin

et si proche comme un train jouet.

 

Tu es l’astre, oui, et encore une autre

et une autre, une pelote aux brucelles

qui dort aux cycle des fleurs,

en attendant les hommes du futur.

 

 

 

 

 

 

 

Liberto Cruz

 

Liberto Cruz nasceu em Sintra (1935). Poeta, ensaísta, crítico literário, biógrafo e tradutor.Viveu em França de 1967 a 1988. Foi docente, em França, das Universidades de Rennes, Nantes e Vincennes (1967-1975) e Conselheiro Cultural da Embaixada de Portugal em Paris (1975-1988). Director da Fundação Oriente – Lisboa – (1988-

2000). É Presidente da Associação Portuguesa dos Críticos Literários desde 2004. Publicações  recentes: Poesia Reunida  (2012), Biografia de Ruben A. (2012) com Madalena Carretero Cruz e Felicidade na Austrália – ficção – (2014).

 

Liberto Cruz est né à Sintra (Portugal) en 1935. Poète, essayiste, critique littéraire et biographe, il est également traducteur. Il vécut en France entre 1967 et 1988 où il fut professeur des Universités de Rennes, Nantes et Vincennes (de 1967 à 1975) et Conseiller Culturel à l’Ambassade du Portugal (de 1975 à 1988). Il est nommé, par la suite, Directeur de la Fondation Orient, à Lisbonne (de 1988 à 2000). Il y exerce, depuis 2004, la Présidence de L’Association des Critiques Littéraires Portugais.

Il a publié, récemment, Poésie Réunie (2012) et Biographie de Ruben A. (2012), en collaboration avec Madalena Carretero Cruz, ainsi qu’une œuvre de fiction, Félicité en Australie (2014).

 

Os cravos de Abril

 

 

Havia medo

e coragem não. Havia luto

e alegria não. Havia tristeza

e esperança não. Havia mesquinhez e dignidade não. Havia Pide

e fraternidade não. Havia Igreja

e comunhão não. Havia guerra

e paz não. Havia tirania

e igualdade não. Era a ditadura

de Salazar Súbito serenamente a liberdade floresce

nos cravos de Abril.

 

Lisboa,18/06/2014,

 

Les oeillets d’avril

 

Il y avait la peur

et point de courage. Il y avait le deuil

et aucune joie.

Il y avait la tristesse et point d’espoir.

Il y avait la mesquinerie et aucune dignité.

Il y avait la P.I.D.E. et point de fraternité. Il y avait l’Église

et aucune communion. Il y avait la guerre

et point de paix.

Il y avait la tyrannie et aucune égalité. C’était la dictature de Salazar.

Tout à coup, sereinement, la liberté fleurit

avec les oeillets d’avril.

Lisbonne, le 18/06/2014

Ricardo Marques

 

 (Sintra, 1983-) Desenvolve actividade crítica em revistas da especialidade (Colóquio-Letras, JL) sendo também tradutor freelance de poesia anglo-saxónica e espanhola, e tendo editado dispersamente algumas dessas traduções. É presentemente o editor da colecção de poesia em tradução da editora Não Edições, cujo primeiro livro será uma colectânea baseada no último livro de poemas de D.H. Lawrence, “Amores-Perfeitos/Pansies”.Depois de “Na Teia do Poema: um percurso intertextual na  Poesia de Nuno Júdice” (Chiado Editora, 2013), viu o seu primeiro livro publicado no Brasil (‘Makar’, Editorial Arqueria, São Paulo, 2014) e lançou “Bucólica”, o terceiro livro de poesia em Portugal.

(Sintra, 1983-) He is a regular reviewer for the main poetry publications in Portugal (Colóquio-Letras, JL, Relâmpago) and he is also a freelance translator (from Spanish and English). He co-owns a Poetry publisher in Lisbon named “Não Edições”, where he is currently the editor for the Poetry in Translation line. Its first book is an anthology based on the last book of poems by D.H. Lawrence, “Pansies/Amores Perfeitos”.Shortly after his book on one of the biggest poets alive in Portugal, “Na Teia do Poema: um percurso intertextual na Poesia de Nuno Júdice” (Chiado Editora, 2013), he saw his first poetry book published in Brazil (‘Makar’, Editorial Arqueria, São Paulo, 2014) and has launched “Bucólica”, his third book of poetry in Portugal, in May. His poetry will soon be translated in Spain, Iran and Peru.
A REVOLUÇÃO DOS CRAVOS

(explicada às crianças e aos linguistas)

 

Era, pois claro, uma revolução comezinha

sem mortos, como seria sempre a revolução
desse povo que, pelo mesmo acaso de ter
sido plantado à beira-mar, é o meu –

mas o que digo? Que plantado à beira-mar

está o cravo, desde sempre, cravando e cravado

tão memorável que nem se dá por ele

até cravar o bedelho onde não é chamado
a cravar o bedelho onde nem é alheio –

o cravo começou por nascer de uma florista
e nos seus braços reteve toda a memória do
canteiro de onde veio, até ser oferecido, como

sacrifício, aos militares obreiros,

 

o cravo planta-se na lapela e logo o seu aspecto
recortado é uma revolução de cor no mais sisudo
fato, e é por isso um versátil camaleão,

 

foi assim que naquela manhã de abril,

o cravo se meteu espingarda adentro
devassando dentaduras desde há décadas,

 

e resolveu fazer a sua
própria revolução,

ia pedindo um pouco de tabaco, de liberdade,
um faduncho e uma bucha, e muito respeitinho –

décadas depois, o cravanço saiu caro,
e nem o povo, que é sempre sereno,

se tornou mais desperto.

 

 

THE CARNATION REVOLUTION

 (Explained to children and linguists)

It was, of course a petty revolution,
no dead people, as you would expect from
a people that, being placed by the sea,

turned out to be who I come from –
but what do I say? That planted by the seaside
is the carnation, evermore, thrusted in and stuck

so memorable that no one notices him
till he pokes his nose in something or someone
putting his finger in many pies –

the carnation was firstborn to a florist
and in her arms it retained all the memory of
the flower bed it came from, to be offered as
a sacrifice to the military men,

the carnation is planted in the lapel and soon its cut

appearance is a revolution of color in the most sad

suit, and that is why he is a versatile chameleon,

it is so that in that April morning
the carnation was rammed inside the riffle
destroying dentures for decades,

and decided to forge its
own revolution –

asking for a little tobacco, freedom,
a little fado and a little nibble, a lot of respect –

decades later, the carnation got expensive
and the people, always serene,
hasn’t become more aware.

 

 

 

Vítor Oliveira Jorge

 

Vítor Oliveira Jorge nasceu em Lisboa em 1948. Licenciado em História, doutorado em Arqueologia e Pré-história, foi docente da Universidade do Porto de 1974 a 2011 (professor catedrático desde 1990), estando atualmente aposentado. Publicou o seu primeiro livro de poemas em Angola (edição de autor) quando era ali assistente da Universidade de Luanda, em 1973. Os seus livros de poemas mais recentes são:  Pequeno Livro de Aforismos seguido de Algumas Alumiações, Maia, Edições Sempre-em-Pé. Total Afloração, Porto, Papiro Editora, 2006. Novo Florilégio. Contributos para uma Extática Botânica, Porto, Ed. Afrontamento, 2007. Pedras Preciosas. Textos de Mineralogia Poética, Porto, Papiro Editora, 2007. Casa das Máquinas, Porto, Papiro Editora, 2008. Electri-cidade, Lisboa, Edições Colibri, 2009.

 

 

Vítor Oliveira Jorge est né à Lisbonne en 1948. Diplômé en histoire, docteur en archéologie et la préhistoire, il a enseigné à l’Université de Porto de 1974 à 2011; maintenant il est à la retraite. Il a publié son premier recueil de poèmes en Angola (édité par l’auteur) quand il a été assistant à l’Université de Luanda, en 1973.  Ses livres les plus récents de poèmes sont: Pequeno Livro de Aforismos seguido de Algumas Alumiações, Maia, Edições Sempre-em-Pé. Total Afloração, Porto, Papiro Editora, 2006. Novo Florilégio. Contributos para uma Extática Botânica, Porto, Ed. Afrontamento, 2007. Pedras Preciosas. Textos de Mineralogia Poética, Porto, Papiro Editora, 2007. Casa das Máquinas, Porto, Papiro Editora, 2008. Electri-cidade, Lisboa, Edições Colibri, 2009.

 

 

25 de Abril de 1974, Angola

 

no interior de áfrica

onde estava então exilado

 

desde o extremo do tampo liso

da minha mesa solitária

 

vi chegar um mar de gente caminhando

numa marcha silenciosa e indistinta

 

e num plano acima das suas cabeças

bandeiras vermelhas ondulavam.

 

eu não podia acreditar facilmente

no que via, no clamor silencioso

que cobria esse horizonte,

na sua força terrível.

 

vejo-me agora

a mim próprio lá então

de costas, sufocado

no grito, exposto no meio

das sombras da sala,

as mãos estendidas ao sangue

que não queria escorrer, coagulado,

o coração explodindo.

 

a revolução tinha finalmente acontecido

e eu ali longe, naquela mesa

indeciso entre o choro e o riso,

amordaçado no meu próprio júbilo

 

mil vezes antecipado.

 

25 avril 1974, l’Angola

 

dans l’intérieur de l’afrique

où j’ étais alors exilé

 

depuis l’extrémité de la couverture lisse

de ma table solitaire

 

j’ai vu une mer de gens en marche

silencieuse et indistincte

 

et sur un plan au-dessus de leur têtes

des drapeaux rouges s’agitaient.

 

je ne pouvais pas croire facilement

à mes yeux, au clameur silencieux

qui couvrait cet horizon,

à sa force terrible.

 

je me regarde maintenant

moi même là-bas alors

vu de l’ arrière, étouffé

dans mon cri, exposé au milieu

des ombres de la salle,

les mains tendues vers le sang

qui ne voulait pas couler, coagulé,

le cœur éclatant.

 

la révolution avait finalement eu lieu

et j’étais là à cette table, à l’écart ,

déchiré entre pleurer et rire,

bâillonné dans ma propre joie

 

mille fois anticipée.