Creative resistance

 

CONFERÊNCIA BIENAL DO COMITÉ DOS ESCRITORES NA PRISÃO DO PEN INTERNACIONAL

CREATIVE RESISTANCE

STORIES FROM THE EDGE OF FREEDOM

AMESTERDÃO, 26-19 DE MAIO DE 2015

RELATÓRIO

 

A 11.ª Conferência Bienal do Comité dos Escritores na Prisão (WiPC) do PEN Internacional teve lugar em Amesterdão (Holanda) entre os dias 26 e 29 de Maio, em paralelo com a Conferência da Rede Internacional das Cidades de Refúgio (ICORN). A conferência contou com a participação de representantes de cerca de 50 centros PEN, tendo também estado presentes o Presidente do PEN Internacional John Ralston Saul e mais cinco membros da direcção, entre os quais Teresa Salema, presidente do PEN Português.

A reunião tinha como objectos fundamentais fazer o balanço do trabalho desenvolvido desde a Conferência de Cracóvia, realizada em Maio de 2013, e com base nesse balanço perspectivar a actividade futura do Comité para os próximos dois anos.

No dia 26, terça, ao fim da tarde, teve lugar a cerimónia oficial de abertura da Conferência, na presença do Presidente da Câmara de Amesterdão, que usou da palavra para dar as boas vindas aos conferencistas, mostrando-se solidário com as causas do PEN, em particular a defesa da liberdade de expressão. A seguir intervieram a Presidente do WiPC, Marian Botsford Fraser, o Presidente do PEN Internacional, John Ralston Saul, o Presidente do ICORN, Peter Ripken e a Presidente do PEN Holandês, Manon Uphoff.

No dia 27 de manhã os trabalhos tiveram início com uma sessão plenária do Comité. A cadeira vazia, uma tradição deste Comité do PEN, coube à escritora e bloguista chinesa Gao Yo, a cumprir uma pena de prisão efectiva de 10 anos na República Popular da China.

Boa parte da reunião foi ocupada com a apresentação do relatório da actividade desenvolvida pelo Comité no biénio 2013-2015 feita pela directora executiva, Ann Harrison, um relatório muito detalhado, descrevendo as inúmeras acções levadas a cabo em inúmeras regiões do planeta onde há constantes violações da liberdade de expressão e atentados contra a integrada de física de jornalistas e bloguers: América Latina (México, Guatemala, Honduras), Coreia do Norte, Myanmar, Ásia (Tailândia, Bangladesh, China, Índia), Europa (Turquia, Quirguistão, Cazaquistão, Macedónia, França – Charlie Hebdo), África (Etiópia, Eritreia, Nigéria, Malawi, Burkina Faso) e Médio Oriente (Síria, Iraque, Egipto, Irão).

O tipo de acção desenvolvida vai desde a RAN (Rapid Action Network), ao Call for Action, passando por Press releases, apoios ao ICORN relativos a escritores em risco, e apoio em situações de asilo político. O relatório continha ainda diversos gráficos que permitiam comparar as acções desenvolvidas ao longo dos últimos anos em quantidade e qualidade.

Foram ainda apresentados os casos de dois novos centros PEN – Honduras e Myanmar – países onde tem havido violações sistemáticas do direito à liberdade de expressão, após o que se deu início a breves apresentações da actividade desenvolvida por cada um dos centros presentes.

Da parte da tarde teve lugar uma intervenção gravada do Representante Especial da ONU para a liberdade de expressão, David Kaye, o qual revelou que nos últimos anos foram mortos cerca de 700 jornalistas em todo o mundo, dando vários exemplos concretos de jornalista perseguidos.

 Interveio em seguida uma jornalista marroquina que fazia parte da redacção do Charlie Hebdo e que só escapou ao atentado por se encontrar de férias, mas que desde então tem vindo a ser constantemente ameaçada, estando a viver sob protecção policial permanente. Ela, sendo muçulmana, defendeu que o direito a não ser ofendido, reivindicado por muitos muçulmanos a propósito das caricaturas de Maomé, não existe.

Seguiram-se sessões paralelas conjuntas com o ICORN, entre as quais foi exibido um impressionante documentário da autoria de um ex-jornalista iraniano sobre a campanha do candidato presidencial da oposição Mussavi contra o então presidente Ahmadinejad durante as penúltimas eleições, a qual acabou com uma gigantesca fraude eleitoral que deu a vitória a este último, frustrando as expectativas da maioria da população, que apoiava a mudança prometida pelo primeiro.

Na quinta-feira, dia 28, de manhã continuaram as sessões paralelas sob temas muito diversos, desde a questão da descriminalização da difamação em África às perseguições de jornalistas no Médio Oriente, mas também sobre o crescimento da legislação anti-LGBT em certos países e a actuação de diversas organizações dos países ocidentais no apoio aos escritores e jornalistas refugiados.

Da parte da tarde teve lugar a segunda sessão plenária do Comité, na qual se prosseguiu a apresentação das actividades dos centros e se fez um debate alargado sobre a ideia de encontrar um tema central de campanha para o trabalho do Comité nos próximos três anos, eventualmente a alargar aos restantes comités. Foram avançadas várias hipóteses com base num inquérito feito a todos os centros antes da conferência.

Na sexta de manhã, 29, houve nova e última sessão plenária do Comité durante a qual foi apresentada e aprovada uma proposta do PEN Dinamarquês para a criação de um grupo de trabalho que reflicta sobre as relações entre a presidência do WiPC e o secretariado, os centros nacionais, a direcção do PEN Internacional e os outros comités no sentido de e melhorar e reforçar o seu funcionamento. O resultado desse trabalho deverá ser apresentado no próximo Congresso a realizar em Outubro, no Québec. Nesta sessão conclui-se a apresentação das actividades dos centros presentes. O representante do Centro Português deu conhecimento de que estão agora criadas as condições internas para uma melhor resposta às solicitações do WiPC (RAN, Call for action, etc.) e que é nossa intenção procurar, na medida do possível, acompanhar mais de perto a situação nos PALOPS, em particular naqueles em que existem problemas de liberdade de expressão. Neste sentido Teresa Salema referiu o acompanhamento que tem vindo a ser feito pelo PEN Clube Português do caso Rafael Marques, também objecto da atenção do WiPC, e mostrou a sua preocupação face aos seus recentes desenvolvimentos. Informou ainda que o livro Diamantes de Sangue se encontra agora disponível no site da Editora Tinta da China em português e em inglês.

Ficou ainda decidido que o Secretariado do Comité apresentará em breve ideias em relação a um eventual tema comum de campanha para os próximos três anos, a aprovar também no Congresso.

Por fim, antes do encerramento dos trabalhos, houve lugar a uma homenagem de despedida à actual Presidente do Comité Marian Botsford Fraser, cujo mandato terminará em Outubro, com a eleição de um/a novo/a presidente no Congresso.

De referir ainda que, em paralelo com as sessões da conferência, sobretudo à noite, realizaram-se vários espectáculos e sessões de leitura de textos e poemas, muito ligados à problemática em debate, tendo como protagonistas vários dos escritores e poetas refugiados em países europeus, nomeadamente a Noruega, Suécia, Dinamarca e Holanda, oriundos de países do Médio Oriente em guerra, como a Síria e o Iraque.

No final de uma reunião como esta é forçoso constatar-se que o PEN é hoje cada vez menos uma organização de escritores no sentido tradicional do termo e muito mais uma organização de jornalistas e bloguistas, ou seja, daqueles que, nos países onde há problemas sérios de liberdade de expressão, estão na primeira linha de combate e portanto mais sujeitos a todo o género de perseguição e de repressão. E é portanto sobre eles e as suas dificuldades para exercerem a sua actividade que prioritariamente aqui se fala e se trabalha.

Os mais puristas poderão perguntar-se se isto não é de certo modo uma subversão do espírito inicial do PEN Internacional, que sempre pugnou pela liberdade de expressão, é certo, mas também sempre se bateu pela promoção da literatura enquanto arte e expressão cultural e não apenas como veículo para alertar consciências, como às vezes aqui tende a acontecer. É um ponto de vista perfeitamente defensável, mas aí é forçoso também reconhecer-se que um PEN Internacional predominante ou exclusivamente voltado para a promoção da literatura talvez já não tivesse grande razão para existir nos dias de hoje.

Lisboa, 13 de Junho de 2015

Manuel de Queiroz